Todos os empregadores querem ter colaboradores profissionalmente treinados, motivados e com iniciativa. Como é que os empregadores garantem que os colaboradores gostam de trabalhar ou que o seu único objetivo é receber o salário? Porque é que é bom garantir que temos trabalhadores satisfeitos empregados na nossa organização? O que ouvimos recorrentemente é que cada vez mais colaboradores faltam ao trabalho devido a variadas doenças relacionados com o stress provocado, precisamente, pelo trabalho, muitos dos quais são se reformam por invalidez. Será realmente impossível para uma empresa assegurar que um trabalhador se sente confortável no seu ambiente de trabalho? Estas são algumas das questões feitas a Zinka Kosec, docente da disciplina “Aconselhamento para o bem-estar” na Escola Superior de Cosmética e Bem-estar de Ljubljana (VSŠKV).
A sua lista de atividades é extensa. É docente da disciplina “Aconselhamento para o bem-estar” na VSŠKV e é ainda docente noutras escolas e instituições. Está também a desenvolver programas de bem-estar corporativo, que é uma área pouco explorada na Eslovénia. Publicou também um livro sobre Aconselhamento para o Bem-estar. Pode contar-nos mais sobre si e sobre a sua carreira ou sobre as áreas em que trabalha?
Atualmente, dedico-me intensivamente a concluir os meus estudos doutorais nos quais estou a investigar o impacto de alguns preditores na performance no trabalho. Estes preditores são: a satisfação (com a vida e com o trabalho), o bem-estar, a atividade física, a hidratação e o stress. A tarefa é extremamente complexa e aborda uma área muito ampla, portanto, consome muito do meu tempo. Ainda assim, estão a surgir resultados extremamente interessantes.
Em simultâneo, estou intensivamente envolvida em consciencializar o público em geral acerca do uso excessivo de ferramentas digitais (Programa Digital Detox). Ainda que as ferramentas digitais tenham trazido muitos benefícios nestes tempos de obrigatoriedade de distanciamento social, têm levado a um uso excessivo e, acima de tudo, a quebras na produtividade. Em média, um utilizador de smartphone passa 5.7 horas do seu dia com este aparelho. O seu telefone sabe mais sobre si do que você sabe acerca de si próprio. A procura por essas informações é, globalmente, extremamente forte. É, por esse motivo, que a Eslovénia “mereceu” a visita do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Michael Pompeo, que procura estas informações numa clara luta com a gigante chinesa Huawei. Penso que não estamos totalmente cientes do que isto significa.
Claro, sou, primeiramente, mãe, o bem-estar da família é o maior desafio da vida.
Uma questão um pouco provocativa: Porque é que as empresas devem implementar programas de bem-estar no trabalho?
Depende de quem faz a pergunta. Se fosse feita por um diretor, dir-lhe-ia que será benéfico para a empresa. Na verdade, indivíduos que se sentem no trabalho são também mais produtivos. Se for um colega a perguntar: porque haverá menos oscilações, baixas, erros e lesões no trabalho. Se for um colaborador a perguntar, responderei que é uma medida preventiva para ele e para a sua saúde. Se o presidente do país perguntar: porque é bom para a sociedade.
A Dinamarca já começou a trabalhar no sentido de tornar a felicidade das pessoas tão importante como o PIB. Acredito que um programa como este pode ser implementado também na Eslovénia. As possibilidades são notáveis devido às nossas capacidades inatas.
Um trabalhador que não se sente bem no seu trabalho, que não tem motivação e que faz o seu trabalho apenas porque tem de fazê-lo, porque todos precisam de um trabalho ou de dinheiro para sobreviver, é um trabalhador que enfrenta stress constante (talvez inconsciente). O stress tem, claramente, efeitos negativos na saúde, o que significa que esse trabalhador estará frequentemente de baixa. O que deve a organização fazer para prevenir que isto ocorra?
Temos de reconhecer a verdade e admitir que temos muitos trabalhadores nesta situação na Eslovénia. Os preços elevados dos imóveis exigem empréstimos. Os empréstimos exigem o pagamento de prestações mensais e estas exigem que se ganhe um salário. Este é um fardo suportado por muitos eslovenos. É por este motivo que precisamos de os ajudar, mesmo em empregos onde o trabalho promove propriamente o de bem-estar. O bem-estar não é um local, mas sim um sentimento.
Saber o que introduzir no ambiente de trabalho depende muito da natureza do trabalho e dos indivíduos da equipa. Se tivesse de dar algumas instruções gerais, diria que deve, definitivamente, ser servida comida de qualidade e dada a possibilidade de fazer intervalos (mesmo para não fumadores)… Foi descoberto que é muito importante para os trabalhadores poderem criar os seus próprios horários. Há ainda propostas adicionais para manter o bem-estar físico e mental do colaborador, como recantos agradáveis para convívio. A título exemplificativo: descobriu-se que as pessoas com quem trabalham são mais importantes para os colaboradores do que o trabalho que fazem – por este motivo, devem co-criar um horário. Os trabalhadores precisam de estar envolvidos na co-criação do processo de trabalho, sendo que estão nele todos os dias, também o conhecem bem. O colaborador estará motivado e engaged para trabalhar para a empresa em que se sente aceite, importante, ouvido e útil.
A sobrecarga e o stress são muito desgastantes a longo prazo para qualquer pessoa por esse motivo, é necessário monitorizar a equipa e melhorar as condições de trabalho o mais rapidamente possível. É um facto, porém, que a sobrecarga e o stress ocorrem em todo o lado. O erro não está na sua ocorrência, está em não fazer nada para resolvê-los.
A maioria das empresas prefere eliminar as consequências de um ambiente de trabalho pouco saudável em vez de as prevenir?
Isto depende altamente dos planos a longo prazo da administração e dos proprietários. Do ponto de vista legal, toda a gente deveria beneficiar da promoção de saúde no local de trabalho e de exames médicos regulares no âmbito da Medicina no Trabalho. Sendo que a promoção da saúde na Eslovénia (prevenção) não tem sido monitorizada pelas autoridades, podemos apenas especular acerca da realidade desta situação. Nas empresas em que estive presente, posso dizer que sei que trabalham fortemente na prevenção, de forma sistemática e dentro dos meios ao seu dispor, muitas fazem o impossível. No entanto, sei também que há várias empresas que não têm o tempo (ou dinheiro, ou staff) para lidar com isto porque não é necessário, porque quando um trabalhador não aguenta mais realizar a sua função, é contratado outro e a empresa não lida com a cura, quanto mais com a prevenção.
Infelizmente, devo salientar que, por vezes, são os próprios indivíduos que não estão interessados em tudo isto porque representa um esforço adicional que não estão dispostos a fazer. Por exemplo, num seminário, perguntam primeiro quando terminará ou se podem simplesmente assinar. Escolhe simplesmente assinar? A sério? Isto é sobre a sua saúde! Nesses casos, fico, por vezes, muito triste.
O que acha que as empresas devem fazer para melhorar o bem-estar dos seus colaboradores no trabalho?
Quando queremos melhorar o bem-estar da equipa, é muito importante levar o conteúdo muito a sério porque o mais importante é conquistar o carinho dos colaboradores para que, posteriormente, fiquem felizes em participar no programa. Portanto, o mais importante é consultar e comunicar com os colaboradores recorrentemente acerca dos processos. Afinal, quando não disponibilizamos informações, estas são (aparentemente) interpretadas pelos próprios funcionários – na maioria das vezes da seguinte forma: “Os patrões querem mais trabalho/ mais rápido/ melhor” e, portanto, são contra o programa desde início.
Sendo assim, quando queremos melhorar o bem-estar dos trabalhadores na empresa, verificamos as 5 áreas do bem-estar: física, emocional, mental, social e espiritual. De seguida, começamos a projetar o programa, na maioria das vezes com base no princípio do “elo mais fraco”. No entanto, se estivermos a abordar este tipo de conteúdo pela primeira vez numa organização em específico, queremos que as pessoas se sintam confiantes e felizes com o conteúdo, portanto abordamos a área que é mais forte e fortalecemos outras áreas por meio desta à medida que os participantes se sentirem confiantes, capazes, importantes e seguros e preferirem estar envolvidos no programa e sentem-se engaged no mesmo.
Costumo falar com trabalhadores de várias empresas eslovenas. A maioria mostra-se insatisfeita com o comportamento dos superiores hierárquicos, com os salários baixos, com as condições de trabalho, entre muitas outras vertentes. Muitos deles estão à procura de outro trabalho apesar de gostarem do seu trabalho e do facto de terem a possibilidade de “florescer” no seu cargo com melhores condições de trabalho. O que é que aconselha aos gestores nestes casos? É possível resolver a situação favorecendo o trabalhador?
A resposta é tão simples que muitos não a levam a sério. A resposta é HONESTIDADE. Honestidade nas relações, nos interesses, nos desejos e nas expetativas. Quando pomos as cartas na mesa e quando as máscaras caem, somos quem realmente somos. Assim, podemos, de forma realista, falar com os nossos colegas acerca de situações relativas à equipa. Ainda assim, se tivermos de usar uma máscara todos os dias, usamos muita da nossa energia para a manter, energia esta que não teremos para o trabalho (fazemos pior do que o que realmente conseguiríamos fazer – e damos ao chefe ainda mais razões para nos criticar!) nem para a família (porque nos sentimos culpados por não sermos bons companheiros/ pais), muito menos para nós próprios. Em consequência, perdemos confiança e começamos a acreditar que é realmente apenas disto que somos capazes e que merecemos. Muitas vezes não temos o poder para mudar. Assim sendo, há três coisas importantes: Esclarecer a situação se possível ou mantermo-nos neste tipo de ambiente o menor tempo possível, mas, se não tivermos outra escolha, devemos tentar distanciar-nos o máximo possível emocionalmente, libertar de forma regular estas tensões e procurar outros elementos que nos encham de alegria e de energia.
Se a organização implementar um programa de bem-estar no trabalho, quais serão as vantagens ou resultados desses programas para a empresa e para o colaborador? E quais são os pontos fracos ou negativo?
As vantagens são: menos turnover, menos absentismo, mais engagement no trabalho, melhor clima organizacional, maior satisfação por parte dos trabalhadores, relações interpessoais entre colaboradores mais fortes, melhorias na saúde dos colaboradores, maior lealdade por parte dos colaboradores para com a organização, melhorias na opinião dos colaboradores acerca da organização, melhorias na reputação da entidade empregadora…
Destaco outra vantagem: a estabilidade do coletivo, quando planeamos um business year, por norma, assumimos que tudo correrá de forma estável, algo acontece e muda tudo. Um indivíduo que se sente bem no trabalho é mentalmente mais forte mesmo em situações nunca vivenciadas, torna-se capaz de reagir de forma apropriada e de realizar as suas tarefas mesmo num ambiente/ âmbito/ ritmo diferente. Sendo assim, zelar pelo bem-estar dos colaboradores significa, na verdade, zelar pela estabilidade da execução do processo de trabalho.
Como efeitos negativos, aponto alguns:
- Selecionar adequadamente o conteúdo para a performance em grupo (onde o apoio de outros seres humanos é importante – por exemplo, comunicação do trabalho) e individualmente (como parar de fumar). Certamente não terá sucesso se disser: “A partir de amanhã apoiaremos todos os colaboradores fumadores a parar de fumar”. É semelhante com programas de redução de peso.
- Se o programa for gerido de forma pouco profissional os trabalhadores podem desenvolver alguns traumas emocionais fortes que devem ser tratados profissionalmente. É ainda mais importante estabelecer um “campo de confidencialidade” desde início, onde fica acordado que o conteúdo abordado no programa nunca será usado para qualquer tipo de chantagem entre trabalhadores.
- Programas realizados a longo-prazo devem ser monitorizados regularmente, sendo que, quando o conteúdo é planeado com uma visão temporal demasiadamente longa, é comum que o número de participantes diminua.
Como é que pensa que as empresas eslovenas cuidam dos seus colaboradores em comparação com outros países da União Europeia?
Acredito, honestamente, que temos vários indivíduos com uma visão avançada acerca de cuidar dos colaboradores. Alguns deles têm potencial para tornar estas ideias uma realidade. Um bom exemplo é o NLB – Healthy Bank program. Ainda assim, muitos destes indivíduos não conseguem utilizar os seus conhecimentos na Eslovénia e, por isso, vão para fora. Os jovens, em particular, não têm qualquer problema com esta realidade nos dias que correm.
Relativamente à Eslovénia gostaria de apontar outro fator – o forte individualismo, onde cada um toma conta de si próprio e, depois do trabalho, não participa nas atividades conjuntas da equipa, mesmo que sejam benéficas para a sua saúde. Honestamente, tenho de admitir que muitas vezes fiquei sem palavras quando bons programas não tiveram adesão ou ficaram “meio cheios” apesar dos vários pedidos, chamadas e e-mails.
Na União Europeia os Países Escandinavos divergem positivamente a este respeito, sendo que existe há muito tempo uma grande consciência acerca da importância da qualidade de vida. Eu vejo como chave para o seu sucesso a alta consciência, flexibilidade e simplicidade das pessoas. No final estão os países do sul da Europa que estiveram entre os últimos a aderir à EU, como a Bulgária e a Roménia. Há muito espaço para melhorias nestes países.
Destacaria ainda outro grande paradoxo. Muito do conteúdo acerca do bem-estar vem do conteúdo religioso ou social oriental e, hoje em dia, é nestes países que ocorrem os maiores abusos aos trabalhadores, que trabalham longas horas sob extremo esforço físico e mental. E não me refiro apenas aos trabalhadores de níveis inferiores, mas também aos gerentes, executivos, etc. Os japoneses até criaram a palavra para a morte provocada pelo trabalho – karoshi.
Mas o que é que a legislação diz acerca de considerar o bem-estar no trabalho?
Estes conteúdos são frequentemente implementados nas organizações por necessidade da promoção de bem-estar no trabalho que é obrigatória para todas as organizações desde 2011, após a alteração da Lei da Segurança e Saúde Ocupacional. Para que isto seja cumprido, existem regras adicionais, tais como a obrigatoriedade de estes conteúdos estarem disponíveis para todos, terem um budget, entre outras regras. Assim, estes conteúdos podem ser considerados pela empresa como uma despesa dedutível da organização. Caso contrário, na prática, ocasionalmente encontramos alguns desvios uma vez que a “Financial administration of the Republic of Slovenia” afirma que certos conteúdos (por exemplo, sapatos de corrida) são uma compra pessoal e não de natureza organizacional e podem ser eliminadas dos custos. Uma área legal que não beneficia ninguém.
Pensa que as empresas deviam também ter um gestor que teria como função exclusiva cuidar do bem-estar dos trabalhadores no local de trabalho?
Claro. Todas as organizações deviam ter! Especialmente empresas na área da prestação de serviços e empresas em que os colaboradores estão em contacto direto com clientes/ business partners.
As empresas devem mentalizar-se que a sua “cara” não é apenas a marca que destacam através do marketing, é principalmente os rostos (insatisfeitos) dos seus trabalhadores. Através destes rostos consegue-se ver exatamente a “cara” da companhia – o clima, a atmosfera, a estima pelos colaboradores… No final, descobrimos que não verificamos se estamos em atividades B2B (business-to-business) ou B2C (business-to-customer), pois sabemos que estamos sempre em atividades H2H – human-to-human relationship. Para quem isto é claro, também se torna evidente que cuidar do bem-estar dos colaboradores é um assunto sério e, por conseguinte, merece uma abordagem sistemática. Um indivíduo contratado enquanto gestor de bem-estar põe a organização frente a frente com outras organizações da forma como a Dinamarca está frente a frente com outros países